FERRO VELHO
Queijo minas, algumas gramas de mussarela, presunto, queijo ralado um pacote de pão de forma
e claro: uma caixinha de cerveja. Emparelhamos nos caixas do Diana’s, atacado de preço honesto nas quebradas do Jabaquara. É velho, muito branco, olhos de um azul incômodo de tão claros e está em forma dentro de sua camisa puída, jeans gasto e botinas encardidas. Deposita na esteira os itens de sua cesta frugal. A minha traz quase o mesmo mais alguns gomos de calabresa defumada. Eu e o velho carregamos as cestas dos solitários. O velho é dono do ferro velho, o Ferro Velho do Véio e manjo que o tipo é sozinho. Por circunstâncias ou opção, é um velho solitário e sem frescuras, cumpre sua sina, mastiga seu caju sem alardes.
Aproximo minha lente desse homem num sábado chuvoso porque já dou meus primeiros flertes com a velhice e um calafrio, prazeroso é bom que se diga, correu minha espinha quando me vi espelhado nele. O velho me parece bem, em nada preocupado com o fantasma da solidão, da carência constrangedora e nauseabunda dos chatos que não suportam o silêncio de uma casa vazia na madrugada. Dos que sobem pelas paredes quando não rodeados de muitos, mesmo que esses muitos sejam malas ou cretinos na pior espécie. Dos que não suportam uma curta e simples viagem de metrô ou busão sem subirem pelas paredes e não desgrudam a fuça do celular à caça de companhia mesmo que essa companhia seja pura ilusão.
Nada sei do Véio do Ferro Velho. Se tem filhos, se tem um amor. Quem sabe. Talvez ele apenas atravesse o mar de quinquilharias e badulaques do seu depósito e se ajeite num quartinho miserável e mal arrumado. Faça sanduiches ou uma pizza de pão, coloque um som na vitrola em volume considerável e mate impiedosamente sua caixinha de cerveja. Disso eu entendo. Sei bem. Carrego esse ritual no bolso do jeans surrado. Minha cesta de solitário também é sempre modesta. Por preguiça, confesso, jamais preparei um bife à milanesa, legumes cozidos. Sequer uma lasanha daquelas de mãe, fui macho pra encarar.
Se tiver sorte, o velho tem um amor pra ajudá-lo com as latinhas, talvez rodopiar com ele ao som da música pelo quartinho mal ajeitado e de manhã, sentar com ele no sofá, dividir um café forte com o resto dos frios e do pão de forma e debaixo do toró, esperar com ele sob o guarda chuva emprestado do ferro velho o ônibus, embarcar nele e desaparecer por uns dias. Porque o velho tem sim, muito tesão e sentimento por ela.
Mas o bom da vida, bacana mesmo é viver sozinho.
São Paulo, 14/11/2016